Balbúrdia na OPP: A participação de psicólogos no programa Casados à Primeira Vista

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No dia 21 de Outubro, estreou na SIC o programa Casados à Primeira Vista, programa televisivo que aponta como objetivo ajudar pessoas solteiras a encontrar o “par ideal”, com a ajuda de “especialistas de psicologia, do mundo do ‘coaching’ e neurociências”. Originalmente, este programa identificava dois psicólogos entre os especialistas que iriam realizar os emparelhamentos.

Sobre este programa, temos recebido vários pedidos, por parte de colegas, para que nos pronunciássemos sobre a participação de psicólogos no Programa Casados à Primeira Vista. Esperávamos todos que existisse uma comunicação oficial por parte da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Estranhamente, apenas no final da semana que terminou (mais de quatro semanas sobre o início das emissões do programa) pareceu existir um pronunciamento por parte da OPP. Na verdade, a análise dos artigos publicados no Diário de Notícias e da Rádio Renascença dos dias 16 e 17 de novembro demonstram a perfeita balbúrdia que parece existir dentro dos Órgãos Sociais da OPP, com vários dirigentes a emitirem para a opinião pública opiniões contraditórias e os Órgãos que se deveriam pronunciar sobre este assunto, ou seja o Bastonário e o Conselho Jurisdicional, a mergulharem num confrangedor silêncio.

Os primeiros elementos da OPP a pronunciarem-se publicamente sobre a participação de psicólogos neste formato televisivo foram o presidente da Comissão de Ética, Miguel Ricou e um membro executivo da Delegação Regional Sul da OPP, Tiago Lopes Lino. Miguel Ricou considerou que “Tentar convencer as pessoas que a Psicologia pode permitir a descoberta do ‘par ideal’ é perigoso, não só porque essa definição simplesmente não existe…” e também que “Será vender ‘gato por lebre’, sendo que o gato neste caso pode fazer mal à saúde psicológica da pessoa, tantas vezes já fragilizada e vulnerável.” Esta posição que se saúda seria um contributo relevante para a discussão por parte da OPP, mas o problema é que a Comissão de Ética NÃO é um Órgão Social, mas sim uma Comissão Consultiva não eleita.

Efetivamente, o primeiro dirigente de um Órgão Estatutário/Social a pronunciar-se sobre este assunto foi Tiago Lopes Lino, Membro Executivo (ou seja, remunerado pela OPP) da Direção Regional Sul. Tiago Lopes Lino, identificado no artigo da Rádio Renascença como “psicólogo responsável, na produção da Shine Iberia, por acompanhar os concorrentes fora do programa” emitiu um conjunto de considerações que são diametralmente opostas às do presidente da Comissão de Ética, Miguel Ricou. Este membro executivo da Direção Regional Sul da OPP afirmou que “O que acontece ali é que há um aconselhamento que nem é psicológico, é um aconselhamento com especialistas. Uns são psicólogos, outros são coaches”. Tiago Lopes Lino afirmou ainda que “Embora com formação em psicologia e coaching, eles dão apenas a sua opinião.”

A própria reportagem da Rádio Renascença conclui que Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética da OPP desconstrói o argumento de Tiago Lopes Lino afirmando que “um psicólogo, quando se apresenta como tal, representa toda uma classe”. Também o presidente da Mesa da Assembleia de Representantes da OPP, Samuel Antunes (aparentemente, enquanto presidente da International Association of Coaching Psychology) se pronunciou sobre o assunto, mas considerando o formato “um absurdo”.

Se vários membros dos Órgãos Sociais da OPP se contradizem sobre este assunto, o psiquiatra José Gameiro (fundador da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar e especialista em terapia familiar há mais de 40 anos) foi absolutamente claro considerando o formato “uma vigarice, que não pode deixar de criticar” e classificando “a “prática científica” feita no programa como “completamente inaceitável”, José Gameiro preocupa-se também com a forma como as emoções dos concorrentes são exploradas. Afirma mesmo ter escrito uma carta ao bastonário da Ordem dos Psicólogos questionando se a Ordem vai tomar uma posição em “defesa dos próprios psicólogos”. Mas nem mesmo assim, a OPP parece estar disponível para assumir essa posição, através de um pronunciamento do seu bastonário.

A situação assume contornos mais bizarro dado que, de acordo com ambas as reportagens, a produtora (Shine Iberia) solicitou previamente à OPP um parecer sobre a participação de psicólogos no programa, mas não recebeu resposta da OPP, a qual reencaminhou o assunto para o Conselho Jurisdicional. Este seria efectivamente o órgão correcto para analisar a situação mas, de forma incompreensível, não se pronunciou antes do início do referido programa.

Para nós, no Elevar a Psicologia, é bastante claro que nos revemos na posição de Miguel Ricou (Presidente da Comissão de Ética da OPP) e repudiamos as posições de Tiago Lopes Lino (Membro Executivo da DR Sul). As declarações de Tiago Lopes Lino equivalem a validar a noção de que não há nada de errado em psicólogos, em direto na televisão, emitirem opiniões na qualidade de especialistas e considerar-se que tal não é um ato psicológico, de que não existe qualquer valor da privacidade na relação cliente-psicólogo e de que “especialistas” podem escolher o par ideal para alguém sem estes desenvolverem qualquer tipo de relação previamente. Questionamos como é que será possível conciliar a sua ação enquanto consultor deste programa com a de membro remunerado dos Órgãos Sociais da OPP. E como é que será possível menosprezar e contrariar tão categórica e chocantemente a conduta profissional recomendada nos pareceres mencionados pela Comissão de Ética.

Relativamente à posição da OPP e perante esta profusão de declarações de dirigentes e outras pessoas afetas à OPP e face ao apelo de psicólogas, psicólogos e até especialistas de outras áreas profissionais, importa que:

  1. O Bastonário da OPP esclareça qual a posição oficial da OPP: se a) a emitida pelo Presidente da Comissão de Ética; se b) a assumida pelo dirigente executivo da Delegação Regional Sul;
  2. O Conselho Jurisdicional clarifique qual a sua posição face à participação de psicólogos em programas com estas caraterísticas;
  3. A Delegação Regional Sul da OPP esclareça se mantém a confiança no referido dirigente, o qual veio contrariar posições expressas pelo Presidente da Comissão de Ética da OPP.

Presidente-eleito da International School Psychology Association (2017-2019). Doutorado em Psicologia da Educação pela Faculdade de Psicologia e de…

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